Gargas Tropical

domingo, outubro 30, 2005

tantos :)

Esta vai ser, sem dúvida, uma semana muito descansada. É que terça é feriado, o Diwali. É uma festa religiosa hindu equivalente ao nosso natal. Chamam-lhe também festa das luzes porque se colocam em todas as ruas milhares de pequenas velas penduradas nos bambus. Estou curioso de ver, pois dizem que é lindíssimo.
Depois vem sexta-feira, com o Eid. É mais um feriado, desta vez muçulmano e marca o fim do ramadão.
Claro que fazemos ponte na segunda, o que significa que trabalho vai ser só mesmo na 4ª e na 5ª
Julgo que é o que dá vir para o país com mais feriados do mundo, e onde cada cultura e religião tem direito aos seus dias santos.
O que levanta a pergunta, então e os chineses? Bem, a verdade é que se discute agora se para o próximo ano também eles terão direito ao dia nacional, pois têm aqui uma comunidade com grande presença... e aparentemente as sondagens são bastante favoráveis.

Acho que vem aí mais um :)

desculpem... não era para fazer inveja...

sábado, outubro 29, 2005

e não é que ela não pára sossegada....

hum... com medo de me estar a tornar repetitivo... ontem houve mais um tremor de terra
estávamos todos no bar e garanto-vos que não foi o efeito da bebida. Durante 30seg a terra mexeu. Suave, contrariando qualquer conceito de sismo, ondulou como um barco no mar, acompanhando as ondas de um dia calmo.
E era ver os vidros a abanar, as cadeiras a fingir-se de baloiço e toda a gente sem saber se se devia rir ou preocupar...

terça-feira, outubro 25, 2005

tremeu... tremeu... tremeu...

Ontem a terra tremeu...
Tirou-me do sono, deviam ser 3h00. Foi curtinho, talvez 3 ou 4 segundos, mas abanou-me janelas, tecto e claro, a cama.

É o segundo, e parece que tenho mesmo é que me começar a habituar a esta vida de "ilha com molas", porque parece que pequenos abanos são frequentes e só nós, estrangeiros e de pés bem assentes em terra "firme" é que ainda nos assustamos com estas coisas...

domingo, outubro 23, 2005

Estação Húmida

Ora a ver se é desta... Passei o Domingo em casa, e pensei, é hoje que escrevo... e afinal são 19h30 e ainda não consegui ter 5 minutos para o fazer.

...
...

Ok, não foi... segunda-feira, 18h30... e espero que consiga acabar...

..
terça-feira, (de novo 18h30) e é o que for...

A estação das chuvas consegue, ao fim de uns tempos, começar a "enervar"... Nunca se sabe se chove ou não. O céu permanece cinza, uniforme e neutro, entre o claro e o negro profundo conforme os humores do momento não convidando muito a tirar o pé de casa, e a humidade mata qualquer um...

A praia, local de peregrinação ao fim-de-semana foi interditada após as ondas da semana passada... Um mar revolto subiu as ondas aos 9m de altura e atravessou não só o areal como o parque de estacionamento... as torres de vigia ficaram danificadas e a areia mudou-se de armas e bagagens para o outro lado da estrada, talvez para ir provar o já famoso bake & Shark do Richard's.

Ao longo das montanhas as estradas vão sendo atravessadas por tractores que limpam os diversos deslizamentos de terras, enquanto que em Maracas, devagar e ao ritmo das caraíbas, a praia vai voltando ao lugar...


É que as chuvas foram de tal ordem que houve areais inteiros que chegaram mesmo a desaparecer. Maqueripe, em Chaguaramas acabou, tal como muitas outras ao longo de toda a ilha...

Entretanto resta-nos apenas seguir o apelo do ministro do turismo: "don't lime on Maracas this Weekend"... :(


Os mais prejudicados foram os pescadores como acontece sempre nestas situações, com muitos dos barcos destruídos... mas apesar do aparato os estragos foram bem mais pequenos do que o que se poderia esperar...

As chuvas começaram "finalmente" em força, apesar de ouvir constantemente que esta tem sido uma das mais secas estações húmidas. Por vezes o céu cai durante horas, escondendo a estrada com um manto de água castanha, terras arrastadas dos parques... Quando pára, limpa depressa, e a cidade ganha um brilho misterioso, verniz iluminado por uma luz difusa. Entre o interromper das chuvas e o regresso da cidade à vida há sempre uns minutos de silêncio e descanso. As ruas, desertas e muito limpas vão-se aos poucos enchendo de novo de gente.

É que quando as chuvas caem a única coisa a fazer é procurar um abrigo, seja numa loja, restaurante, ou debaixo de uma varanda... e depois esperar... As pessoas aguardam pacientemente que tudo acalme, sendo quase que curioso o cenário que proporcionam.
A cidade fica parada no tempo. Centenas de figurantes alinhados ao longo dos passeios, debaixo de varandas olham o vazio, calculando devagar, pela cor deste céu, o tempo que falta para poderem seguir.

Também os ventos fortíssimos e trovoadas se multiplicam. Não temos furacões, mas as tempestades mesmo assim são fortes. Apenas durante a noite as coisas parecem acalmar, dando-nos momentos mais sossegados.

Os passeios pela floresta, idas à praia vão rareando, pois o tempo não o permite. Qualquer ponta de sol é aproveitada ao máximo, mas mesmo assim somos obrigados a procurar alternativas. Felizmente tivemos durante estes dias o Festival de Cinema Europeu (acabou hoje). Com bilhetes baratíssimos e filmes bastante bons mostrou-se muito acima das minhas expectativas. Perdi a conta das vezes que fui ao cinema, e pude por uns momentos esquecer que aqui só existe Hollywood.
De todos o que gostei mais chamava-se "Inheritance" e é Dinamarquês. É um filme duro, sobretudo pelo modo como consegue ser fiel à realidade... filme bom, mas para ver com um aperto.

terça-feira, outubro 18, 2005

intervalo!

:) desculpem... não ando esquecido.. é mais ausente mesmo :)

O festival de cinema europeu começou há mais de uma semana, e já perdi a conta dos filmes que tenho visto a 10TTdollar (1.3 euro) :) :) :)

Mais a steelband, mais os passeios, os bares, etc... é raro encontrar tempo.
Também as escritas têm andado por outros papéis, e o número de livros a ler em simultâneo já subiu para 3;

A Ratazana - Gunter Grass
Estórias Abensonhadas - Mia Couto
Miguel Street - V.S. Naipul (este em inglês, com os diálogos em "trini verdadeiro" absolutamente fabulosos)

pelo que, como na televisão,

"lamentamos este excessivo período de publicidade, o filme começa dentro de instantes, quando houver tempo e os anúncios acabarem..."

fora de brincadeiras,
não ando esquecido, mas o tempo anda curto...

Até breve ;)

sábado, outubro 15, 2005

de novo...

Ontem explodiu,
de novo,
uma bomba, mais uma estúpida bomba.

Ontem foi em St. James, a cerca de 500m da minha casa, ao pé dos bares...

Não morreu ninguém, mas houve feridos.

E repete-se de novo o que nunca deveria ter acontecido, o que tinha esperado ser único.
E entristece-me ver um país a mergulhar no medo, na estupidez da violência...

quinta-feira, outubro 13, 2005

Futebol

Cada trini transmite por si só uma imagem que transpira constantemente autoconfiança. Surgem como pessoas que tudo fazem para não passarem anonimamente no meio de um grupo.
Esbracejam, falam alto.
Mostram-se nas roupas, muito ao gosto americano e a lembrar os gangs mais terríveis, nos gestos, na voz.
Gostam de chamar à atenção, têm necessidade de protagonismo. O centro das atenções é quase uma obrigação, a sobrevivência do indivíduo no grupo.
A segurança que transmitem recorda-me algumas das imagens que fiz das caraíbas antes de vir. Gente desinibida, que gosta de se divertir, que gosta de se rir... que não receia mostrar-se, que não tem medo da crítica de um olhar desconhecido.
Aqui as pessoas necessitam de se expôr e de manter uma imagem positiva. A linguagem é alías resultado desta maneira de estar. Povoada de expressões (ao jeito dos nossos provérbios) em constante evolução e que procuram ilustrar o desfecho de uma conversa. A capacidade de improviso, de resposta impõe-se, e revela-se sobretudo nos Calypsos, onde os melhores músicos inventam os textos frente a admiradores que lançam temas para as próximas quadras.

Para quem viveu Trinidad na altura do Carnaval tudo isto faz sentido. É um período em que tudo parece valer, e em que as pessoas tudo fazem para garantir que assim o é.

Foi esta a minha primeira impressão sobre esta gente.
E aparentemente tão errada, ou por outras palavras, tão incompleta...

É que nunca conheci povo tão tímido, conservador, receoso nas demostrações de sentimentos...
Nunca pensei que por detrás desta máscara de vivacidade se escondesse uma quantidade tão grande de gente com receio de se expôr.

Em Trinidad não se dança... Ou melhor, dança-se muito, mas apenas se se fôr Venezuelano.
Só quando passa soca, sobretudo se for um dos temas do carnaval, é que se vê um trini a mexer, mas nenhum ousa dançar com um par (excepção para o "wine"...)
Um trini sozinho é capaz de cantar, mas jamais o fará em grupo. Poderá dançar, mas sempre numa atitude individual, para chamar à atenção. Jamais o fará como parte de um grupo.

Este comportamento estende-se às vezes até ao nível do absurdo. Quando um homem quer conquistar uma mulher é capaz de a seguir interminavelmente, e recorre a tudo o que lhe estiver ao alcance para a atrair. Contudo homens e mulheres não se misturam. Mais estranho ainda, não querem misturar-se...
Formam grupos distintos, e só saem juntos se se tratarem de casais amigos.
A mim lembram-me um pouco o espírito dos filmes americanos dos anos 50 em que grupos de rapazes e raparigas se provocam mas sempre à distância, protegidos pelo segurança dos amigos. Mesmo numa discoteca é fácil compreender esta separação nos movimentos das pessoas, nos grupos que se criam...

Ontem Trinidad jogou para o campeonato do mundo naquele que terá sido o jogo mais importante da qualificação. Trinidad tinha que ganhar para ter acesso a uma pré-eliminatória.
Trinidad tem uma péssima equipa de futebol, cheia de "acrobatas" incapazes de jogar juntos. Quando jogam exemplifcam cenicamente na perfeição esta imagem de protagonismo individual e incapacidade de vivência em grupo.

Trinidad enfrentava o México, uma das equipas mais fortes do grupo.
O estádio encheu, pela primeira vez, e os que não conseguiram bilhetes juntaram-se em bares e cafés. Nós seguimos o jogo num bar, o Trotters.
As expectativas eram baixas mas o jogo foi fabuloso. E contudo, tirando a mancha vermelha pelas ruas, era muito complicado perceber o que se estava a passar...
Durante o jogo houve apenas duas reacções, jogar as mãos à cabeça, ou aplaudir uma boa jogada (ou golo). Mas nos tempos mortos nada mais. O receio da exposição perante gente desconhecida inibe qualquer trini, que parece só sentir-se confortável no meio de um grupo de amigos. Ninguém gritou, uma única vez pela equipa... para motivar. Ninguém aplaudiu ou assobiou o árbito, ou os jogadores durante o jogo. ninguém bateu com os punhos na mesa, ninguém reagiu. Poderiam ser nervos do jogo... mas depois acabou e o único carro a apitar nas ruas era...
o nosso...
Alguns trinis acenavam-nos, mas gritar... juntar-se ao barulho... nem um.
Nos bares e nas ruas bebia-se, conversava-se. Mas apenas o vermelho das t-shirts recordava um jogo que promete agora a qualificação para o mundial. Qualquer semelhança com o que se passou no euro e que assisti em Lisboa advém apenas da cor da roupa, uniforme. Pensei que não dormiria nessa noite, mas tirando o helicópero da polícia, o silêncio foi constante.

Porque dentro do seu grupo cada trini é um herói...
Porque exposto a caras novas nenhum ousa demonstrar o que sente.

E contudo Trinidad ganhou.
Ganhou por 2-1, e pode pela primeira vez sonhar chegar a um mundial de futebol.

E os trinis sonham... mas não o mostram... jamais.

quarta-feira, outubro 05, 2005

A minha escolha

Cheguei há 8 meses. De início foi complicado, com uma adaptação gradual, demorada, mas com o tempo não só acabei por compreender melhor este país como aprendi a lidar com uma realidade que me é totalmente diferente.

A necessidade de escrever foi imediata, tantas eram as sensações novas. Por vezes releio o que pus em papel nos primeiros dias e fico feliz por o ter feito. Hoje ser-me-ia impossível reconstruir todas aquelas impressões.

Que susto foi entrar em Port of Spain à noite, pleno sábado de Carnaval. A primeira imagem ainda a trago gravada;uma pequena rotunda com uma prostituta à entrada da cidade. Uma miúda, talvez com 15 anos... Hoje passo por este mesmo sítio e reconheço o farol que marca a entrada da cidade vindo da auto-estrada. Ao lado o porto, sempre degradado. Fala-se de obras, sobretudo na zona dos ferrys, mas não parece que comecem tão cedo.
Na altura, o ambiente pesado da festa, o jet-lag, toda a agitação transportaram-me para um estado inebriante que me dificultava a percepção do que me rodeava.

Depois, com o decorrer dos dias, fui explorando a cidade, a pé como qualquer turista. Não percebia ainda o passo que tinha dado. Tudo me era muito estranho.
Estranhas eram as gentes, as ruas, as construções. A pobreza, as grades em todas as lojas, os vagabundos a dormir ao sol. Tão diferente de Lisboa. Tão diferente das nossas cidades.

Cauteloso, timidamente, comecei a explorar a ilha. Devagar de início, com receio de me perder. Rapidamente percebi como é fácil (apesar de moroso) chegar a qualquer lado. A cada descoberta fui ousando cada vez mais, e com o tempo criei o meu mundo e referências em Trinidad.

Hoje olho para trás e divirto-me com as diferenças. Digo bom-dia aos vizinhos e às pessoas nas lojas que me passaram a conhecer. Em alguns restaurantes já quase não é preciso dizer o que quero.

Aos poucos também as actividades se vão multiplicando. A última foi um convite surgido numa sexta-feira à noite vindo de uma professora espanhola. Quer que lhe ensine Português (entretanto ela ensinar-me-á Castelhano).

De espectador fiz-me actor. A pergunta deixou de ser: “o que vieste cá fazer?” para se reformular num “como foi a semana?”
Passei de turista a residente, embora estrangeiro, como serei sempre.

Recuo no tempo e descubro que tenho, apesar de tudo isto, saudades.
Tenho saudades de tanto, e de tudo.

Recordo Lisboa, a minha cidade, onde sempre vivi antes de Trinidad. As ruas, os prédios. A calçada, o frio seco do inverno. De andar na rua com o meu casaco e cachecol, acompanhado pelo cheiro das castanhas. Lembro-me do verão, mas talvez pelo calor constante que aqui tenho, é o que me faz menos falta.
Lembro-me do metro, dos eléctricos.
Do rio e da luz.
De correr as ruas a pé, horas intermináveis, atravessando-a sem descanso.

Tenho muitas saudades das pessoas.
Da minha mãe, pai e irmão. De toda uma família que me tem acompanhado sempre.
Saudades de amigos. Amigos que sei que permanecem apesar da distância.

É muito o que me prende em Portugal, e que me faz hesitar há tanto tempo.
Decidir o que fazer...
A decisão julgo que há muito que a conheço, mas é o medo de a enfrentar que me tem impedido de a tomar...

E tudo isto para dizer: sim, fico mais um ano.

Porque ainda não é o meu tempo de regresso, tanto está por fazer.
No atelier vou ter a oportunidade finalmente de acompanhar em obra os projectos que desenvolvemos. O Queen's Royal College começa em Janeiro, a President's House em Junho ou Julho.
Os projectos das escolas continuam pendentes, mas deverão arrancar também no próximo ano.

Fico também pelas pessoas que tudo aqui deram por mim e que não quero deixar assim de repente, ao fim de tão pouco tempo. Gente por quem me afeiçoei e que me fez sentir em casa num sítio que não é o meu. Pessoas que se tornaram, sem o serem, família sempre presente.

Quero também viver Trinidad de um outro modo. Já não sou o turista perdido que chegou há 8 meses. Aprendi a movimentar-me, a saber onde ir, mas tenho ainda muito por descobrir nesta terra.
Esperam-me coisas boas e outras más, mas ficaria incompleta a minha vinda se terminasse ao fim de um ano...

Vou ter mais um ano de praia :)
Vou ter mais um ano de chuvas tropicais :(

Entretanto anseio, embora sem contar os dias, por um regresso mesmo que curto como será em Dezembro. Os bilhetes já os tenho e dia 8 de Dezembro lá estarei.
Para matar saudades, para lembrar.

Percebi, ao fim de algum tempo que me encontro dividido. Tenho vida em dois lados, estou presente em dois sítios. Flutuo de um lado para o outro, viajo por dois países em pensamentos, e vejo que não posso ainda largar esta minha nova casa.

O meu coração escolhe, apertado, um caminho que acaba por excluir em parte o outro. É dura e difícil a sensação de que qualquer que seja a decisão muito fica deixado para trás, um pouco abandonado. Mesmo sabendo que não está esquecido...

Mas as saudades seguem a par com uma determinação e um saber esperar.
O regresso será um dia destes, já “amanhã”, pois o tempo voa, mas hoje é por aqui que fico.

P.S.:

Isto quer também dizer que a pensão "Maison Belle" (não estou assim tão mal, o nome é o da loja de decoração que fica no rés do chão da minha casa) vai ficar aberto por mais uma temporada. Visto que a época alta é o Carnaval, aceitam-se desde já reservas com antecedência :)

E como a estadia é grátis.... não há desculpas!!!!!