A minha escolha
Cheguei há 8 meses. De início foi complicado, com uma adaptação gradual, demorada, mas com o tempo não só acabei por compreender melhor este país como aprendi a lidar com uma realidade que me é totalmente diferente.
A necessidade de escrever foi imediata, tantas eram as sensações novas. Por vezes releio o que pus em papel nos primeiros dias e fico feliz por o ter feito. Hoje ser-me-ia impossível reconstruir todas aquelas impressões.
Que susto foi entrar em Port of Spain à noite, pleno sábado de Carnaval. A primeira imagem ainda a trago gravada;uma pequena rotunda com uma prostituta à entrada da cidade. Uma miúda, talvez com 15 anos... Hoje passo por este mesmo sítio e reconheço o farol que marca a entrada da cidade vindo da auto-estrada. Ao lado o porto, sempre degradado. Fala-se de obras, sobretudo na zona dos ferrys, mas não parece que comecem tão cedo.
Na altura, o ambiente pesado da festa, o jet-lag, toda a agitação transportaram-me para um estado inebriante que me dificultava a percepção do que me rodeava.
Depois, com o decorrer dos dias, fui explorando a cidade, a pé como qualquer turista. Não percebia ainda o passo que tinha dado. Tudo me era muito estranho.
Estranhas eram as gentes, as ruas, as construções. A pobreza, as grades em todas as lojas, os vagabundos a dormir ao sol. Tão diferente de Lisboa. Tão diferente das nossas cidades.
Cauteloso, timidamente, comecei a explorar a ilha. Devagar de início, com receio de me perder. Rapidamente percebi como é fácil (apesar de moroso) chegar a qualquer lado. A cada descoberta fui ousando cada vez mais, e com o tempo criei o meu mundo e referências em Trinidad.
Hoje olho para trás e divirto-me com as diferenças. Digo bom-dia aos vizinhos e às pessoas nas lojas que me passaram a conhecer. Em alguns restaurantes já quase não é preciso dizer o que quero.
Aos poucos também as actividades se vão multiplicando. A última foi um convite surgido numa sexta-feira à noite vindo de uma professora espanhola. Quer que lhe ensine Português (entretanto ela ensinar-me-á Castelhano).
De espectador fiz-me actor. A pergunta deixou de ser: “o que vieste cá fazer?” para se reformular num “como foi a semana?”
Passei de turista a residente, embora estrangeiro, como serei sempre.
Recuo no tempo e descubro que tenho, apesar de tudo isto, saudades.
Tenho saudades de tanto, e de tudo.
Recordo Lisboa, a minha cidade, onde sempre vivi antes de Trinidad. As ruas, os prédios. A calçada, o frio seco do inverno. De andar na rua com o meu casaco e cachecol, acompanhado pelo cheiro das castanhas. Lembro-me do verão, mas talvez pelo calor constante que aqui tenho, é o que me faz menos falta.
Lembro-me do metro, dos eléctricos.
Do rio e da luz.
De correr as ruas a pé, horas intermináveis, atravessando-a sem descanso.
Tenho muitas saudades das pessoas.
Da minha mãe, pai e irmão. De toda uma família que me tem acompanhado sempre.
Saudades de amigos. Amigos que sei que permanecem apesar da distância.
É muito o que me prende em Portugal, e que me faz hesitar há tanto tempo.
Decidir o que fazer...
A decisão julgo que há muito que a conheço, mas é o medo de a enfrentar que me tem impedido de a tomar...
E tudo isto para dizer: sim, fico mais um ano.
Porque ainda não é o meu tempo de regresso, tanto está por fazer.
No atelier vou ter a oportunidade finalmente de acompanhar em obra os projectos que desenvolvemos. O Queen's Royal College começa em Janeiro, a President's House em Junho ou Julho.
Os projectos das escolas continuam pendentes, mas deverão arrancar também no próximo ano.
Fico também pelas pessoas que tudo aqui deram por mim e que não quero deixar assim de repente, ao fim de tão pouco tempo. Gente por quem me afeiçoei e que me fez sentir em casa num sítio que não é o meu. Pessoas que se tornaram, sem o serem, família sempre presente.
Quero também viver Trinidad de um outro modo. Já não sou o turista perdido que chegou há 8 meses. Aprendi a movimentar-me, a saber onde ir, mas tenho ainda muito por descobrir nesta terra.
Esperam-me coisas boas e outras más, mas ficaria incompleta a minha vinda se terminasse ao fim de um ano...
Vou ter mais um ano de praia :)
Vou ter mais um ano de chuvas tropicais :(
Entretanto anseio, embora sem contar os dias, por um regresso mesmo que curto como será em Dezembro. Os bilhetes já os tenho e dia 8 de Dezembro lá estarei.
Para matar saudades, para lembrar.
Percebi, ao fim de algum tempo que me encontro dividido. Tenho vida em dois lados, estou presente em dois sítios. Flutuo de um lado para o outro, viajo por dois países em pensamentos, e vejo que não posso ainda largar esta minha nova casa.
O meu coração escolhe, apertado, um caminho que acaba por excluir em parte o outro. É dura e difícil a sensação de que qualquer que seja a decisão muito fica deixado para trás, um pouco abandonado. Mesmo sabendo que não está esquecido...
Mas as saudades seguem a par com uma determinação e um saber esperar.
O regresso será um dia destes, já “amanhã”, pois o tempo voa, mas hoje é por aqui que fico.
P.S.:
Isto quer também dizer que a pensão "Maison Belle" (não estou assim tão mal, o nome é o da loja de decoração que fica no rés do chão da minha casa) vai ficar aberto por mais uma temporada. Visto que a época alta é o Carnaval, aceitam-se desde já reservas com antecedência :)
E como a estadia é grátis.... não há desculpas!!!!!
A necessidade de escrever foi imediata, tantas eram as sensações novas. Por vezes releio o que pus em papel nos primeiros dias e fico feliz por o ter feito. Hoje ser-me-ia impossível reconstruir todas aquelas impressões.
Que susto foi entrar em Port of Spain à noite, pleno sábado de Carnaval. A primeira imagem ainda a trago gravada;uma pequena rotunda com uma prostituta à entrada da cidade. Uma miúda, talvez com 15 anos... Hoje passo por este mesmo sítio e reconheço o farol que marca a entrada da cidade vindo da auto-estrada. Ao lado o porto, sempre degradado. Fala-se de obras, sobretudo na zona dos ferrys, mas não parece que comecem tão cedo.
Na altura, o ambiente pesado da festa, o jet-lag, toda a agitação transportaram-me para um estado inebriante que me dificultava a percepção do que me rodeava.
Depois, com o decorrer dos dias, fui explorando a cidade, a pé como qualquer turista. Não percebia ainda o passo que tinha dado. Tudo me era muito estranho.
Estranhas eram as gentes, as ruas, as construções. A pobreza, as grades em todas as lojas, os vagabundos a dormir ao sol. Tão diferente de Lisboa. Tão diferente das nossas cidades.
Cauteloso, timidamente, comecei a explorar a ilha. Devagar de início, com receio de me perder. Rapidamente percebi como é fácil (apesar de moroso) chegar a qualquer lado. A cada descoberta fui ousando cada vez mais, e com o tempo criei o meu mundo e referências em Trinidad.
Hoje olho para trás e divirto-me com as diferenças. Digo bom-dia aos vizinhos e às pessoas nas lojas que me passaram a conhecer. Em alguns restaurantes já quase não é preciso dizer o que quero.
Aos poucos também as actividades se vão multiplicando. A última foi um convite surgido numa sexta-feira à noite vindo de uma professora espanhola. Quer que lhe ensine Português (entretanto ela ensinar-me-á Castelhano).
De espectador fiz-me actor. A pergunta deixou de ser: “o que vieste cá fazer?” para se reformular num “como foi a semana?”
Passei de turista a residente, embora estrangeiro, como serei sempre.
Recuo no tempo e descubro que tenho, apesar de tudo isto, saudades.
Tenho saudades de tanto, e de tudo.
Recordo Lisboa, a minha cidade, onde sempre vivi antes de Trinidad. As ruas, os prédios. A calçada, o frio seco do inverno. De andar na rua com o meu casaco e cachecol, acompanhado pelo cheiro das castanhas. Lembro-me do verão, mas talvez pelo calor constante que aqui tenho, é o que me faz menos falta.
Lembro-me do metro, dos eléctricos.
Do rio e da luz.
De correr as ruas a pé, horas intermináveis, atravessando-a sem descanso.
Tenho muitas saudades das pessoas.
Da minha mãe, pai e irmão. De toda uma família que me tem acompanhado sempre.
Saudades de amigos. Amigos que sei que permanecem apesar da distância.
É muito o que me prende em Portugal, e que me faz hesitar há tanto tempo.
Decidir o que fazer...
A decisão julgo que há muito que a conheço, mas é o medo de a enfrentar que me tem impedido de a tomar...
E tudo isto para dizer: sim, fico mais um ano.
Porque ainda não é o meu tempo de regresso, tanto está por fazer.
No atelier vou ter a oportunidade finalmente de acompanhar em obra os projectos que desenvolvemos. O Queen's Royal College começa em Janeiro, a President's House em Junho ou Julho.
Os projectos das escolas continuam pendentes, mas deverão arrancar também no próximo ano.
Fico também pelas pessoas que tudo aqui deram por mim e que não quero deixar assim de repente, ao fim de tão pouco tempo. Gente por quem me afeiçoei e que me fez sentir em casa num sítio que não é o meu. Pessoas que se tornaram, sem o serem, família sempre presente.
Quero também viver Trinidad de um outro modo. Já não sou o turista perdido que chegou há 8 meses. Aprendi a movimentar-me, a saber onde ir, mas tenho ainda muito por descobrir nesta terra.
Esperam-me coisas boas e outras más, mas ficaria incompleta a minha vinda se terminasse ao fim de um ano...
Vou ter mais um ano de praia :)
Vou ter mais um ano de chuvas tropicais :(
Entretanto anseio, embora sem contar os dias, por um regresso mesmo que curto como será em Dezembro. Os bilhetes já os tenho e dia 8 de Dezembro lá estarei.
Para matar saudades, para lembrar.
Percebi, ao fim de algum tempo que me encontro dividido. Tenho vida em dois lados, estou presente em dois sítios. Flutuo de um lado para o outro, viajo por dois países em pensamentos, e vejo que não posso ainda largar esta minha nova casa.
O meu coração escolhe, apertado, um caminho que acaba por excluir em parte o outro. É dura e difícil a sensação de que qualquer que seja a decisão muito fica deixado para trás, um pouco abandonado. Mesmo sabendo que não está esquecido...
Mas as saudades seguem a par com uma determinação e um saber esperar.
O regresso será um dia destes, já “amanhã”, pois o tempo voa, mas hoje é por aqui que fico.
P.S.:
Isto quer também dizer que a pensão "Maison Belle" (não estou assim tão mal, o nome é o da loja de decoração que fica no rés do chão da minha casa) vai ficar aberto por mais uma temporada. Visto que a época alta é o Carnaval, aceitam-se desde já reservas com antecedência :)
E como a estadia é grátis.... não há desculpas!!!!!
11 Comentários:
quer-me parecer que a nucha se vai identificar MUITO com este post...
fico feliz pela tua coragem e por este passo...
fico feliz por te saber bem...
fico feliz por ti!
um beijo grande!
ps - cada dia a net me surpreende mais...um primo com quem não tinha grande proximidade faz-me sorrir e emocionar a cada memória que aqui vai deixando :o)
ps1 - e não, não é da gravidez ;o)
mais uma vez conseguiste emocionar-me até ás lágrimas...e não , não tou grávida!!!!! ihihih
ainda bem que escolheste. Não importa se a escolha é pequena ou grande o que importa é escolher. Desejo que este seja mais um passo para seres feliz, meu querido. A cada dia que passa temos mais saudades, mas... o 8 de Dezembro é já ao voltar da esquina iupiiii!!!! um beijo muito grande da tia zezinha
Identifica-se a Nucha e não só: posso confirmar que dois anos é o tempo ideal para viver no estrangeiro! ;-)
Um abraço e até *breve*,
João
Como sabes Pedro, não é novidade para mim.
O Bérnard, no dia em que fomos à casa dele na ilhota do Golfo de Pária, disse-me que gostava que ficasses lá pelo menos dois anos. Até há dois dias atrás nunca te falei no assunto, pois sei como as escolhas que fazemos nos merecem um tempo, por vezes longo, de maturação.
Tal como a Inês e o João acho que é o tempo ideal e apesar das saudades serem muitas compreendo-te muito bem.
Oxalá saibas sempre escolher bem o que queres da vida ... e boa sorte.
P.S. Vou começar a juntar os "dinheiritos" para a próxima visita.
Beijos grandes da mãe.
Que bom! Eu não disse sempre que isto ia ser uma aventura formidável para ti?!
Queria muito ir visitar o teu cantinho adoptivo, embora por enquanto não prometa nada, que é para não faltar. Mas a pensão "Maison Belle" fica (não estava já?!!!) debaixo de olho
Beijo grande
Céu
Parabéns pela decisão, que imagino não ser facil.
Sendo assim, ainda bem que ficas mais um ano, pois poderei continuar a ler os teus posts, vindos directamente de Trinidad.
olha, primo, a minha pena é só não te ter ao pé de mim, para te dar um abraço grande, cheio de ternura, e embalar-te nessa decisão que, sei-o, tanto te custou, mas que faz de ti quem és: um gajo muito, mas MUITO especial...
obrigada por pores em palavras tanto do que sinto.
é mesmo pena não estarmos mais perto, para nos consolarmos a saudade, e criarmos um porto de abrigo mais perto. quase que mais seguro.
beijo grande, maior que a distância.
fica bem.
em ti.
connosco aí, também, sempre.
esqueci-me de dizer... tenho MUITO orgulho em ser tua prima, em ti e na tua escolha.
por mais difícil.
por ser difícil.
beijo grande.
Força Pedro,
quanto mais tempo passamos cá por fora, mais se nos abrem os olhos...
Um abraço
Miguel.
AINDA BEM QUE DECIDISTE FICAR MAIS UM ANO.A CORAGEM QUE MOSTRAS AO DECIDIR FICAR É MUITO GRANDE POIS NÃO É FÁCIL AGUENTAR AS SAUDADES QUE SE TEM DA NOSSA TERRA E DOS QUE NOS SÃO QUERIDOS.DIGO ISTO PORQUE SEI,VIVI ISSO HÁ TRINTA ANOS ATRÁS .TINHA MAIS OU MENOS A TUA IDADE.BOA SORTE E BEIJINHOS DA TIA FERNANDA
pedro pedro sei tão bem como te sentes! Não te vais arrepender de prolongar a estadia! Mas temos que nos encontrar quando voltares!
ps:raça da cena de por umas letrinhas para comentar... enfim. Contra o spam marchar marchar
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