domingo, maio 01, 2005

"os trinis são mesmo assim..."

Às vezes tenho medo de só estar a mostrar o lado bom de Trinidad...

Não posso no entanto ignorar tudo o que aqui me choca. A miséria, a subserviência. Não me deixa de impressionar o modo submisso com que os trinis enfrentam a vida e aceitam as desigualdades perante o "homem branco".
Também me custa a "discriminação positiva" por que passo constantemente. Por ser estrangeiro ( e para muitos, turista), por ser branco.

Infelizmente cada vez mais noto que a herança colonial está demasiado presente em tudo o que me rodeia, mas o que mais me irrita é a aceitação generalizada de toda a gente perante esta situação.

É avassaladora a diferença de salários. Em trinidad tenho a possibilidade de viver com bastante conforto. Posso dar-me ao luxo de fazer tudo o que me apeteça. Sair, ir a um bar, ao cinema. Ir à praia ou a qualquer outro sítio.
Coisas tão simples como ir a um restaurante onde pague mais de 3€ estão longe do alcance da maioria das pessoas, quanto mais estes pequenos luxos (para não falar dos grandes, como uma câmara fotográfica....)

Sabia que seria assim quando viesse, mas não esperava encontrar nas pessoas esta aceitação generalizada perante tudo isto.

Para os trinis subsistem duas ideias.... a primeira, de que por mais que possam querer as coisas nunca mudarão, e a segunda, que eles serão sempre a classe baixa.

Esperava encontrar nas pessoas uma certa "raiva" perante esta situação... mas não. Pelo contrário. Está de tal modo enraizada esta ideia que acaba por ser vista como algo de "normal".

A falta de dinheiro é muita para a maioria das pessoas. Contudo preocupam-se mais comigo, e em garantir que eu consiga ter as minhas coisas, do que com eles próprios. Ficam satisfeitos por saber que eu me divertido, que eu ocupo o meu tempo. Que passeio. Gostam de saber onde fui e o que fiz. E ficam felizes por saber que eu consigo resolver a minha vida.
Às vezes custa-me falar. Sinto dentro de mim uma injustiça tremenda... Não deixo de pensar que eu, a Leen, o Jannes, temos acesso a coisas que a maioria das pessoas (inclusive o resto do pessoal do atelier) nunca terá...

E no entanto não se sentem indignados com esta situação. Entendem-na como natural.

Trinidad é um país independente. Este povo lutou contra a escravatura, lutou pelo seu país. E no entanto são os primeiros a perpetuar o colonialismo no que tem de pior. As classes, as diferenças sociais, a discriminação racial....

Entendem que as coisas, tal como estão, nunca mudarão.
Não se queixam, não lutam por uma mudança...
Não revelam qualquer raiva ou indignação...

e quando pergunto porquê, a resposta é sempre a mesma...

"os trinis são mesmo assim..."

Gosto da força destas pessoas, da capacidade de sobrvivência que têm. Do modo sorridente com que enfrentam o dia a dia. Mas custa-me a falta de objectivos. A desistência na busca de uma dignidade.
É tão fácil ficar "embriagado" pelo modo como sou ajudado, por todo o apoio que recebo permanentemente. É fácil esquecer que o mesmo não se passa com a maioria das pessoas. Na verdade passo a vida a ser discriminado. Tenho "direitos" e facilidades que a maioria das pessoas nunca terá.

Por ser estrangeiro, por ser branco.

Gostava de ser tratado de um modo diferente. Sei o que isso implicaria. Uma vida bem mais complicada de resolver. Quando vou a um serviço público, quando peço qualquer coisa (como uma linha de telefone, uma carta de condução) acabo sempre por me perceber que o meu processo é acelerado por ser quem sou.

Queixo-me do funcionamento deste país, das burocracias, dos tempos, mas na verdade sou um privilegiado...

Gostava que fosse diferente, mas não sei como lutar contra uma situação que acaba por ser instituída pelo próprio povo deste país...
Sei que serei sempre estrangeiro neste país. Europeu... Sei que serei sempre tratado de um modo diferente.

E no entanto gostava que tudo fosse de outro modo.


2 Comentários:

Blogger JoaoN disse...

Já ouvi um relato em tudo semelhante, mas passava-se na Guiné-Bissau... :-(

9/5/05 11:24  
Anonymous Anónimo disse...

Tia Fernanda
Acontecia o mesmo em Timor.Eu fui considerada uma perigosa agitadora social só porque quis fazer justiça e paguei aos empregados (mainatos) 10 vezes ,digo 10 vezes o salário que recebiam antes.Ainda me sobrava muito e tal como tu,tinha uma vida muito confortavel.Bjs

13/6/05 18:09  

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