Há semanas em que pouca coisa acontece, e outras em que tudo é demais, e mau...
Na segunda-feira rebentou uma bomba em Port of Spain. Não foi longe de onde trabalho, talvez 5min a andar a pé. A explosão foi na Downtown, e, como em todas estas situações, colocada de modo a magoar (matar?...) o maior número de pessoas...
Não morreu ninguém. Talvez por ter sido cedo. Não quero imaginar se tivesse sido à hora de almoço, quando toda a gente sai e enche as ruas numa corrida frenética. Mas houve feridos, alguns graves.
Não sei bem descrever o que senti quando soube da notícia. Estávamos no atelier, e tudo soava a surreal. Em Trinidad não há bombas. Mas desta vez houve...
O modo como as notícias são dadas também não ajuda muito. Há uma tendência terrível no jornalismo em Trinidad de exagerar os motivos e as consequências, ao ponto de a nós, europeus, quase se tornarem caricatas.
Falou-se de terrorismo internacional, até da Al-qaeda. Nas rádios disseram mesmo que poderia ser a consequência do sucedido em Londres...
Custa-me seguir aqui as notícias, pela leviandade com que são dadas, pelo detalhe mórbido que apresentam... (no dia seguinte a capa do jornal era um grande plano de uma senhora que perdeu a perna, e no interior vinham escritos os nomes e moradas das vítimas - com número da porta e tudo)
Foi uma bomba dita "artesanal". Não há motivo para ter sucedido, não se encontra uma justificação (alguma vez há?....). O certo é que alguém a colocou...
As pessoas entraram em pânico. Quando fui ao supermercado ao fim da tarde (sempre cheio aquela hora), encontreio-o vazio, e quase todas as lojas do centro comercial estavam fechadas. Toda a gente fugiu para fora da cidade numa loucura colectiva de quem aguarda um novo atentado, inevitável e de dimensões excepcionais...
No dia seguinte, como seria previsível, este era o único assunto... Mas para meu "horror" descubro que apesar do medo, as pessoas lêem com sofreguidão estas notícias, e surpreendem-se quando comento as moradas nos jornais. Acham natural. "Gostam" mesmo de ver as imagens, de seguir todos os detalhes. Quase que se sente nas pessoas um misto de alívio por um lado, e "desgosto" por outro, por ter sido "apenas" uma bomba artesanal...
Apesar do medo, do pânico, parece que sentem necessidade de ter um grande acontecimento, e quanto maiores as consequências, melhor é a notícia...
Ontem o susto foi diferente, e começou às 11h00 com o anúncio da chegada eminente de um furacão... O "Emily" (gosto do nome) desceu de mais, e passou muito próximo de Tobago. Foi lançado um alerta a nível internacional que incluía Trinidad, mas que felizmente a meio do dia desceu para perigo de tempestade tropical. Com a frase "People, go home", o primeiro-ministro acabou por nos dar uma tarde de folga. Foi apenas o tempo de preparar o atelier para o pior... embrulhar computadores em plástico, proteger papéis, etc... não fosse entrar água pelo telhado, e seguir para casa. Saí às 12h00 e demorei 1h30 para fazer 2km... O trânsito era o caos.
As pessoas corriam aos supermercados na busca de alimentos para a semana toda, na rádio alertava-se para o perigo das cheias e possíveis cortes de água e electricidade. Pediam-nos que rezássemos a Deus, qualquer que fosse o nome que lhe déssemos.
Duas horas depois a cidade era um deserto, parecia fantasma. Ouvia-se apenas o som dos pássaros e dos cães, e uma calmia estranha ensombrada por nuvens negras que se moviam devagar e enchiam todo o espaço do céu.
Não houve furacão... Acabou por perder a força no Atlântico (Trinidad quase nunca tem furacões, apesar de estar habituado a tempestades com alguma violência).
Houve uma tempestade que começou, de repente, às 21h00 e que durou até às 6h00, com tal intensidade que o barulho do telhado me impediu de dormir.
Hoje as ruas estavam desertas. Poucos foram os que sairam de casa para trabalhar, num modo de pensar que se assemelha um pouco ao "se não aconteceu ontem, pode acontecer hoje... e portanto não arrisco...". O lixo espalhado nas ruas , arrastado pelas águas era imenso obrigando mesmo os carros a contornar "obstáculos". Mas não havia trânsito...
Alívio? sim... Mas fale-se com um trini, e percebe-se a desilusão de não ter havido um furacão a sério...