Gargas Tropical

segunda-feira, maio 30, 2005

Férias

Foram 5 dias. Acabaram hoje. Dois feriados, uma ponte e um fim-de-semana, que mistura tão agradável.
Estive sozinho estes dias. Passeei pelo país. Passeei pela cidade. Fui à praia, arrumei a casa. Sobretudo descansei e gozei o prazer de fazer umas férias à minha medida.

Visitei o "Pitch lake". Como o nome aponta, mais não é do que um enorme lago de alcatrão natural. Existem quatro no mundo (sigo as palavras do guia). Para além do de Trinidad, um na Dinamarca, um Na Venezuela e um em Los Angeles. Este é o maior, e também o único onde se pode andar, pois o alcatrão forma uma crosta à superfície com uma densidade considerável. É preciso contudo ver onde se põe os pés, pois muitas vezes com o calor derrete e cria aquela pasta tão nossa conhecida e odiada pelos detergentes.
É um lugar estranho. Não é bonito... mas atrai. Aquele negro todo... Lembra a civilização industrial, e todos os males que a ela associamos. O alcatrão, o negro, a poluição.
É silencioso, quase aterrador na imensidão do negro. Parados, os comboios de carga aguardam por ser cheios. algumas carruagens jazem, já perdidas dos carris, das guias... possivelmente para nunca mais voltarem a rolar.
E no fundo, uma velha fábrica continua a funcionar, extraindo este líquido precioso e odiado e exportando para todo o mundo. Num corte geológico no Museu Nacional de Port of Spain compreende-se que um terço do alcatrão já foi retirado...

Mas este é um lago natural, e uma delícia para as plantas. Do lago, apenas está exposto parte. todo o resto são plantações, das mais férteis de Trinidad, que se estendem pela região.
As águas que lá brotam não são bebíveis, mas diz-se terem propriedades terapeúticas...



















Fui também a Grande Riviere. No norte da ilha, é uma das praias favoritas das tartarugas.
Chegam durante a noite, para pôr ovos. Cada uma põe cerca de oitenta ovos por dia, durante cinco dias consecutivos. Parece uma imensidão, mas as estatísticas mostram que das pequenas tartarugas apenas uma em cada mil sobrevive...
Começaram a pôr ovos há três meses, e ainda hoje continuam a chegar à costa com regularidade. São bichos imensos, com quase 2m de comprimento e mais de 600Kg. Só as fémeas vêm às praias onde nasceram. Os machos, depois de conhecerem a água, nunca mais voltam, passando o resto da vida nas costas de Portugal, Inglaterra e Norte de África a comer alforrecas...

Mas desta vez fui para ver as pequenas tartarugas, que nascem ao fim do dia quando a areia está mais quente, e se lançam numa corrida de morte para o mar. Os "abutres", os cães, perseguem-nas impiedosamente. Não chegam a ter 10cm quando nascem. Cabem nas nossas mãos, nos bicos dos pássaros, nas bocas dos peixes quando chegam ao mar. São tão leves que as ondas as arrastam, e é quase uma odisseia entrar na água.















É estranha a sensação de gozar férias sozinho. Falta sempre alguém com quem comentar. Acabamos sempre a meter conversa com desconhecidos. Tudo é pretexto para duas palavras. Até com o Japonês que tirava as mesmas fotografias do pôr-do-sol, que me disse morar no cimo da rua, e todas as tardes descer para fotografar o mar... :)

Gostei de falar com a Joyce. Uma senhora de 50(?) anos que queria saber tudo. Quem era, porque vim... Se gostava de Trinidad, se pensava voltar para Portugal.
Disse-me que precisava de conhecer uma moça trini, de me casar por cá. Que depois disso eu nunca mais voltava para casa :)
Sobretudo gostei do modo como ela parecia amar este país e as pessoas de cá, dizendo-me que nunca seria capaz de deixar Trinidad.

Port of Spain

Cidade estranha esta. Cidade de contrastes...
Miséria, desmazelo, abandono...
Espaços verdes lindíssimos. O Savanah Park, numa extensão louca de verde e árvores tropicais com as cores mais estonteantes..
Não há qualquer planeamento no crescer desta cidade. Apenas um traçado ortogonal tão característico de tempos coloniais. Os casas antigas, sobretudo em madeira, são deixadas à sua sorte. As térmitas tornaram-se um problema com o qual ninguém quer lidar.
A expeculação, o dinheiro mandam na nova imagem que se pretende, e na "Baixa" os prédios elevam-se já a alturas consideráveis.
E no meio, mantém-se tradições... Pintam-se paredes, anúncios. Pintam-se janelas quando dos vidros já nada resta. Brinca-se nas ruas, conversa-se...
Cidade industrial, centro económico durante o dia, cidade rural durante a tarde e a noite, onde se joga à bola no meio da rua, como se não houvesse trânsito... como se não houvesse tempo.

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Chaguaramas

Este tópico está atrasado... uma semana... mas mesmo assim...
Chaguaramas é uma reserva natural visitável. Nela existe uma praia, um campo de golfe, uma "catedral" e muito espaço à volta.

Por se encontrar próxima da cidade acaba por ser muito visitada. É vulgar encontrar famílias inteiras em pic-nics e "lime", ou grupos a fazer desporto. Aqui as bicicletas mandam, e quem conduz tem que o fazer devagar (e as lombas estão lá para o demosntrar a quem tiver dúvidas)

Já conhecia o parque. Vou lá de vez em quando, andar um pouco, apanhar sol. É um sítio sossegado, bom para fugir um pouco da confusão de Trinidad. Gosto particularmente da "Bamboo Cathedral", uma "igreja" natural, que resulta da curvatura dos bamboos ao longo da estrada.
Demoro-me sempre por lá... gosto do silêncio e da frescura daquela sombra. Deixa-me pensar.
Da última vez que lá estive tiravam-se fotos para um casamento... lá se foi o sossego

Subindo a estrada há sempre uma vista óptima do mar, mas desta vez a minha atenção foi para uns "pequenos" pássaros, tipo abutre que pareciam brincar com as sombras e o fundo do céu...

















domingo, maio 22, 2005

CAMPEÃO

Ok, Não resisto...
Já sabem que não ligo muito a futebol mas....


SLB! SLB! SLB!

GLORIOSO SLB! GLORIOSO SLB!

Alfândega

As encomendas para Trinidad, quando vêm em pacotes com dimensão razoável (o que isto quer dizer não sei muito bem), têm sempre que passar pela Alfândega. Lá pagam o direito a entrar, com uma dose razoável de taxas (adequada ao teor da dita cuja) e IVA a condizer. Por outras palavras, fazem-se pagar caro.

Tenho aguardado pacientemente por uma encomenda vinda de Portugal, mas a paciência, mesmo em Trinidad, também tem limites, e ao fim de mais de um mês resolvemos tentar perceber o que se passa. Digo resolvemos porque no atelier também estamos à espera de uma máquina fotográfica que nunca mais chega...

O que soube (tinha vindo nos jornais, mas não conhecia as consequências), é que houve uma tentativa de assalto na alfândega, e na fuga, lançaram uma granada para um carro da polícia...
O polícia morreu...

Julga-se que o assalto era para levantar um carregamento de droga que estava retido na alfândega. A droga aqui é um problema complicado.

Neste momento a alfândega está fechada, não entra nada que não seja totalmente inspeccionado, e os serviços só começarão a funcionar de novo quando a polícia autorizar. Para já decorrem investigações...

A única coisa que sei é que a alfândega poderá levar alguns meses até voltar a funcionar...

quinta-feira, maio 19, 2005

Sons

Na minha casa o silêncio é rasgado continuamente pelos mais inimagináveis sons... De tal modo são pontuais, que quase poderia dizer que tenho um relógio natural.

Começam às 6h00. É a agitação da manhã que parece atacar todos os pássaros. Durante duas horas cantam, interminavelmente, numa luta de palavras que parece terminar apenas quando o sol já vai alto. Depois sossegam... mas calados nunca ficam...

Tenho uma "mangueira" no jardim (a árvore...) que lhes serve de poiso. Os ramos estendem-se até às janelas, e é frequente tê-los a "espreitar" cá para dentro.
Gostam de voar rente aos muros, e parar no tanque da água. São vizinhos agitados, mas gosto de os ter por aqui.

O dia, costuma ser mais sossegado. Falo apenas dos fim-de-semana, e sem grande conhecimento de causo, pois raramente aqui me encontro. Durante a semana o ruído do trânsito não admite concorrência. Felizmente trabalho a essa hora.

Quando chego, ao fim da tarde, e com o sol a pôr-se, chegam os papagaios. Verdes, e com o bico amarelo, voam sempre aos pares num jogo que dura todo o fim da tarde. Voam baixo. São desajeitados no bater das asas, mas muito ágeis e rápidos. Fazem mais barulho que todos os outros pássaros juntos. Parece que gritam, que discutem. Ou divertem-se apenas. Lembro-me quando os vi pela primeira vez... nem queria acreditar.
Depois foram os pelicanos, a mergulhar no mar para apanhar o peixe (mas estes não os tenho em casa....)

A noite, essa é dos cães. E estes sim, conseguem ser verdadeiramente insuportáveis... Não gostam de gente nas ruas. Melhor dizendo, não gostam de gente frente aos portões. E a cada passagem, há sempre um ladrar. Por outro lado parece que não gostam de ladrar sozinhos, e quando um começa, logo todos os do bairro se juntam, numa sinfonia que dura sempre, pelo menos 15min...

Felizmente que até os cães dormem, e estes deitam-se cedo, por volta das 00h00

Depois, acompanha-me durante a noite o ruído da água... um depósito a funcionar mal que o meu vizinho deixa a correr todas a noites. Mas deste gosto. A água a escorrer num fio, é sempre uma boa companhia.

E como numa orquestra, outros instrumentos se juntam ao longo do dia. As marimbas tocam sempre ao fim da tarde, ensaiando para os próximos concursos de steelpans e para o Carnaval, variando entre a mais doce melodia e o mais agressivo dos improvisos.

E a acompanhar, sobretudo depois do jantar, vagabundos, loucos, que gritam pelas ruas, num lamento de desespero e alucinação total...

Trinidad, país de contrastes, até nos sons...

Paria Falls

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No sábado fomos a Paria Falls. Saímos cedo, perto das 8h00. O medo de ter de conviver com milhões de Trinis a isso obrigava. Mas estes eram receios infundados, a chuva intensa que caiu toda a manhã manteve toda a gente em casa... excepto nós!

A estação das chuvas parece que anda a ameaçar começar, e nunca sabemos como vai estar o tempo. Felizmente o calor é suficiente para nos permitir andar molhados o dia inteiro. De certa forma, acaba mesmo por ser muito agradável andar à chuva neste clima, sobretudo quando entramos no calor sufocante da floresta tropical

Paria Falls fica no Norte da Ilha, e o acesso só é possível após duas horas de caminhada a pé pela selva (partindo de Blanchiseuse) ou de barco até à Paria Bay, uma praia enorme e magnífica.

Blanchiseuse (deriva da palavra francesa lavadeiras, pelas mulheres que diariamente ali lavavam a roupa) é o último reduto de civilização no Norte da ilha, e para lá chegar muito tem o carro que sofrer. A quantidade de buracos, deslizamentos de terra, faz a estrada parecer um buraco remendado...

Quando chegámos, chovia intensamente, mas decidimos ir à mesma.

A floresta tropical é um ambiente que nos é completamente estranho. embora os trilhos estejam marcados, é impressionante a velocidade a que tudo o que nos rodeia cresce e modifica. As primeiras chuvas fazem a vegetação ganhar tons intensos de verde, numa densidade completamente asfixiante. Felizmente chovia, e o ambiente estava um pouco mais ameno. Também a vida selvagem abunda, e as chuvas, ao afastar as pessoas destes sítios, levam a que todos os animais regressem. A quantidade de sons, pássaros, borboletas, insectos, enchem-nos os sentidos até à exaustão. De todos os encontros, o mais surpreendente foi com uma cobra.
Trinidad tem cobras venenosas. Nunca tinha visto... mas de repente, uma atravessava-se, suavemente à nossa frente, atravessando o carreiro. O primeiro impulso foi de tirar uma fotografia, mas o Jannes e a Leen rapidamente gritaram "cuidado, é mortal...". Recuei...
Não estavam a brincar, e uma dentada a qualquer um de nós teria sido fatal, a 2 horas do Hospital mais próximo.
Não são agressivas, e tudo o que querem é não ser chateadas. os casos esporádicos que se conhecem são de pessoas que as tentaram apanhar... mas não deixa de impôr respeito pensar que aquele ser (com cerca de 20cm) pode matar uma pessoa em 30 min...

A diversidade de ambientes é tão surpreendente como inesperada, e tão depressa mudamos da mais densa floresta tropical para uma falésia áspera e laminada a várias dezenas de metros de altura, passando por praias desertas... cada caminho é uma surpresa, e nunca sabemos o que nos espera do outro lado de cada uma destas colinas. No fim chegamos então a Paria Falls, uma zona de piscinas naturais banhadas por uma cascata que estava naquele dia particularmente forte (e daí a água cor de terra, que em dias mais calmos costuma ser completamente transparente, com um tom verde esmeralda das árvores que a rodeiam.


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Por fim regressámos a Blanchiseuse, onde parámos na praia, e depois Maracas, para um almoço tardio de Bake & Shark, uma comida tradicional em que se mete um filete de tubarão, vegetais, ananás e alguns molhos numa espécie de bolo muito próximo do pão.. uma maravilha quando é bem feito :)

segunda-feira, maio 09, 2005

O nosso consultor

Tanto tempo sem escrever.... Sem aparecer
Não é por mal... mas a chegada do Francis Maude baralhou-me completamente o esquema todo.

E tanta coisa que se tem passado! Neste país de loucos...

Talvez comece por aí mesmo, pelo Francis Maude...

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Inglês puro, com todos os jeitos e maneiras, definitivamente mais pálido que uma folha em branco. Daqueles que, quando chegam de manhã ao atelier, a primeira coisa que fazem é um chá...

O Francis é o nosso consultor sobre restauro. Trabalha na Donald Insall Associates, uma das maiores empresas de restauro de Inglaterra, com trabalhos tão sonantes como o Big Ben e tudo o que é palácio da "fabulosa" realeza inglesa...

Talvez, para combinar com o trabalho, o Francis parece saído de um Museu. Anda com uma pasta de cabedal mais velha do que eu, uma máquina fotográfica completamente mecânica (daquelas em ferro que pesam 1kg e têm mais de 50 anos), um relógio do século passado... etc... etc...

Durante o trabalho é tremendamente eficiente e com uma memória fantástica. Óptimo para aprendermos alguma coisa. É também muito atento e aceita perfeitamente qualquer crítica, o que funciona muito bem em trabalho de equipa.

O Francis veio a Trinidad para a apresentação do Queen's Royal College à imprensa. Marcou-se tudo, apresentação no ministério, com o ministro das obras públicas presente e tudo.... mas... esquecia-me... estou em Trinidad.

... e uma semana antes o ministro demite-se, acusado de fraude e suborno.... investigação policial e sei lá que mais....

Enfim, lá foi a apresentação para a frente, desta vez marcada só com o secretário-geral. Só que parece que este não gosta lá muito da imprensa, e a 20min de começarmos diz que não vai aparecer porque estão lá jornalistas....

resumindo... "sucesso nacional", com o Francis a ter direito a 5seg de fama na televisão, e o atelier a uma nota de rodapé numa página refundida do jornal...

(nota: o Queen's Royal College é monumento nacional, a escola mais importante de Trinidad e "apenas" um dos edifícios mais importantes do país...)

Fora do trabalho esta nossa "visita" transforma-se completamente (ok... os tiques ingleses é que não perde nem por nada).
Eu, a Leen e o Jannes fizemos de anfitriãos. Perdi a conta dos sítios onde fomos ao fim da tarde, das vezes que jantámos fora. o que sei é que não estive em casa....

Um dos jantares foi em casa do Bernard, onde voltei, ao fim destes meses, a saborear um bom vinho português (que tinha oferecido ao Bernard e que ele guardou para este jantar :) )

No fim-de-semana levámos o Francis a ver as Paria Falls, umas cascatas no Norte da ilha. foi uma tarde óptima, mas ainda estou a sofrer das picadas de todas as moscas da areia ( só na perna direita contei 28.... do joelho para baixo)

Hoje o Francis foi embora, e definitivamente a vida está bem mais calma...

domingo, maio 08, 2005

Cinema, Pneus , Maracas... semana louca

Começo a ganhar a minha rotina. Não falo de "cair" na rotina... falo antes de encontrar o meu tempo, a minha maneira de viver em Trinidad.

É um país diferente onde não existem todas as possibilidades que encontramos em Portugal, de teatros, cinemas, exposições.. Não há cafés, não há a maioria de todas aquelas pequenas coisas que nos habituámos a fazer todos os dias.

Existem naturalmente outras alternativas que vou conhecendo, que vou aprendendo.

Esta semana voltei ao "cinema de 5ª feira" de que já falei uma vez. Na fábrica de Rum Fernandes passaram um documentário sobre Francis Bacon. Sabe bem de vez em quando poder ver algo de difernete num país que está tão americanizado, que só passa filmes de Hollywood e Bollywood... (aliás, imaginem o meu espanto quando soube que estava a passar cá o filme "os coristas")

Na 3ª feira fui também ao cinema. Desta vez escolhemos uma das "piores" salas de cinema de Port-of-Spain.
Para dar uma ideia, o bilhete custava 12TT$ (menos de 1,5€) e dava direito a ver os dois filmes que iam passar nessa noite.
A sala é das mais antigas e degradas da cidade, com uma plateia (house) e um balcão. O ecrã tinha riscas verticais de sujidade.
Era a estreia do filme "guiana" sobre o fim da escravatura na guiana inglesa e nas ilhas próximas das caraíbas (produção indiana "made in bollywood" com tudo o que o nome implica).
Os actores deviam estar saídos de uma companhia de teatro amadora daquelas que nunca experimentaram subir a um palco, e as representações, péssimas, estavam profundamente de acordo com a audiência:

Uma mãe com uma criança de um ano a chorar nos braços,
Dois trinis a fumar um charro,
Três europeus (adivinhem quem....)
E um Indiano que pagou mais um dollar para ver o filme do balcão
(que, diga-se, começava numa fila de cadeiras mesmo atrás da nossa, separada apenas por uma balaustrada)


Continuam as minhas aventuras com os pneus. 3 dias depois de reparar o "furado", a válvula, que ficou mal presa, abriu-se e esvaziou-se todo... mudei para o suplente, com o qual andei 2 ou 3 dias também. E no dia em que ia à loja para reparar de novo o pneu (felizmente que já só estava a 500m) o suplente estoirou. Isto é, desfez-se como uma cebola...
Enfim lá consegui chegar à oficina e reparar a válvula, mas agora vou ter que substituir os da frente antes que "pelem" também....

O computador deu numa de inglês e recusou-se a pôr acentos durante 2 dias. Tive que o formatar... (esta é também a explicação para a minha ausência..)
Já não sei que mais azares me esperam...

O que vale é que chegado sábado há sempre maracas para dormir na praia e descansar da semana. Mas até isso parece estar a acabar brevemente quando as chuvas (que já andam a ameaçar) começarem a cair com força...

Entretanto antevêm-se duas semanas de trabalho loucas.

Chega amanhã Francis Maude, o nosso consultor de inglaterra para obras de restauro, e que tem trabalhado em obras tão diversas como tudo o que seja palácio da realeza britânica... Parece que é uma pessoas extremamente divertida (aliás disse-nos que não queria carro, que lhe chegava uma bicicleta, e que não quer ir para um hotel, que prefere ficar em casa de um amigo do Bernard, o Johny lee, que é músico e cego), mas também extremamente trabalhadora.
Vem cá para começarmos a investigar o que se passa nas paredes e tectos da President's House e para fazer a apresentação do Queen's Royal College ao ministro.

Promete, mas estou curioso.

domingo, maio 01, 2005

"os trinis são mesmo assim..."

Às vezes tenho medo de só estar a mostrar o lado bom de Trinidad...

Não posso no entanto ignorar tudo o que aqui me choca. A miséria, a subserviência. Não me deixa de impressionar o modo submisso com que os trinis enfrentam a vida e aceitam as desigualdades perante o "homem branco".
Também me custa a "discriminação positiva" por que passo constantemente. Por ser estrangeiro ( e para muitos, turista), por ser branco.

Infelizmente cada vez mais noto que a herança colonial está demasiado presente em tudo o que me rodeia, mas o que mais me irrita é a aceitação generalizada de toda a gente perante esta situação.

É avassaladora a diferença de salários. Em trinidad tenho a possibilidade de viver com bastante conforto. Posso dar-me ao luxo de fazer tudo o que me apeteça. Sair, ir a um bar, ao cinema. Ir à praia ou a qualquer outro sítio.
Coisas tão simples como ir a um restaurante onde pague mais de 3€ estão longe do alcance da maioria das pessoas, quanto mais estes pequenos luxos (para não falar dos grandes, como uma câmara fotográfica....)

Sabia que seria assim quando viesse, mas não esperava encontrar nas pessoas esta aceitação generalizada perante tudo isto.

Para os trinis subsistem duas ideias.... a primeira, de que por mais que possam querer as coisas nunca mudarão, e a segunda, que eles serão sempre a classe baixa.

Esperava encontrar nas pessoas uma certa "raiva" perante esta situação... mas não. Pelo contrário. Está de tal modo enraizada esta ideia que acaba por ser vista como algo de "normal".

A falta de dinheiro é muita para a maioria das pessoas. Contudo preocupam-se mais comigo, e em garantir que eu consiga ter as minhas coisas, do que com eles próprios. Ficam satisfeitos por saber que eu me divertido, que eu ocupo o meu tempo. Que passeio. Gostam de saber onde fui e o que fiz. E ficam felizes por saber que eu consigo resolver a minha vida.
Às vezes custa-me falar. Sinto dentro de mim uma injustiça tremenda... Não deixo de pensar que eu, a Leen, o Jannes, temos acesso a coisas que a maioria das pessoas (inclusive o resto do pessoal do atelier) nunca terá...

E no entanto não se sentem indignados com esta situação. Entendem-na como natural.

Trinidad é um país independente. Este povo lutou contra a escravatura, lutou pelo seu país. E no entanto são os primeiros a perpetuar o colonialismo no que tem de pior. As classes, as diferenças sociais, a discriminação racial....

Entendem que as coisas, tal como estão, nunca mudarão.
Não se queixam, não lutam por uma mudança...
Não revelam qualquer raiva ou indignação...

e quando pergunto porquê, a resposta é sempre a mesma...

"os trinis são mesmo assim..."

Gosto da força destas pessoas, da capacidade de sobrvivência que têm. Do modo sorridente com que enfrentam o dia a dia. Mas custa-me a falta de objectivos. A desistência na busca de uma dignidade.
É tão fácil ficar "embriagado" pelo modo como sou ajudado, por todo o apoio que recebo permanentemente. É fácil esquecer que o mesmo não se passa com a maioria das pessoas. Na verdade passo a vida a ser discriminado. Tenho "direitos" e facilidades que a maioria das pessoas nunca terá.

Por ser estrangeiro, por ser branco.

Gostava de ser tratado de um modo diferente. Sei o que isso implicaria. Uma vida bem mais complicada de resolver. Quando vou a um serviço público, quando peço qualquer coisa (como uma linha de telefone, uma carta de condução) acabo sempre por me perceber que o meu processo é acelerado por ser quem sou.

Queixo-me do funcionamento deste país, das burocracias, dos tempos, mas na verdade sou um privilegiado...

Gostava que fosse diferente, mas não sei como lutar contra uma situação que acaba por ser instituída pelo próprio povo deste país...
Sei que serei sempre estrangeiro neste país. Europeu... Sei que serei sempre tratado de um modo diferente.

E no entanto gostava que tudo fosse de outro modo.


Fim-de-Semana

Sexta-feira à noite - Pelican Bar









Sábado - Maracas Bay